quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Grécia vs Portugal (Parte I: Contas externas)


No momento da intervenção do FMI, além dos problemas orçamentais sobejamente conhecidos de ambos os países, a dimensão dos seus desequilíbrios externos também se apresentavam como um problema de grande envergadura. Para isso, vejamos os valores das Balanças Correntes de ambos os países.





















Como é possível observar pelos dados, podíamos concluir que do ponto de vista externo a situação de ambos é semelhante, apresentando os dois países valores negativos na ordem dos dois dígitos. 

Mas será possível automaticamente concluir isso?

É importante ver como estes défices são financiados

Primeiramente, há que referir que estes défices podem ser financiados de vários formas, nomeadamente:
  • Financiamento por obrigações;
  • Financiamento bancário;
  •  Empréstimos oficiais (como por exemplo, do FMI);
  •  Investimento directo estrangeiro;
Há que frisar, antes de observar a situação dos dois países, que uma situação de financiamento por investimento estrangeiro, é muito mais vantajosa para o país, por diversos motivos: primeiro, para além do financiamento, este tipo de investimento traz vantagens económicas, na medida em que criam um efeito positivo na indústria, e geram postos de trabalho. Para além disso, no caso do país atravessar uma crise financeira, as saídas de capitais são mais limitadas. Contudo, há que frisar que há investimento estrangeiro de qualidade, enquanto que este também pode assumir uma vertente mais especulativa e temporária.

Analisemos então a situação dos dois países…



Observa-se que quer em Portugal, quer na Grécia o investimento estrangeiro representa uma fatia residual, e tem pouca importância no financiamento externo dos dois países. Isto demonstra a debilidade dos dois países em termos de financiamento e a sua exposição aos mercados financeiros. Ao ser um financiamento deste género, mostra os riscos de um contínuo endividamento, já que com o aumento do mesmo, os juros pagos poderão asfixiar (como já o estão a fazer), as economias dos dois países. Contudo, salienta-se que, apesar de tudo, Portugal apresenta a este nível uma situação ligeiramente melhor, com a percentagem de investimento estrangeiro a ser superior. 

Continuamos, ainda assim, com uma situação semelhante, pelo que já podemos concluir a similitude dos dois casos?

Ainda não o podemos fazer. É importante olharmos para o ajustamento que tem sido feito pelas duas economias, após a intervenção externa. No caso português espera-se já em 2013 um excedente da Balança Corrente, situação que é bem diferente no caso grego, que desde o início do plano de ajustamento em 2010, só conseguiu reduzir o seu défice para 10%, como se visualiza pelo gráfico inicial da Balança Corrente.

A que se deve isto?

Olhemos para o comportamento das importações e exportações nos dois casos…





Assim, observando os dados, podemos concluir que a nossa economia tem apresentado maior competitividade externa, situação que se tem tornado cada vez mais notória nos anos mais recentes, com as exportações gregas praticamente a estagnarem, e Portugal com crescimentos apreciáveis das mesmas. Olhando para a variação das importações, notamos claramente que a dureza do ajustamento macroeconómico tem sido maior na Grécia, o que se vê com a evolução das importações que decresceram de forma bastante forte na Grécia. Apesar disso, tal não significou um pleno ajustamento da Balança Corrente (longe disso), o que demonstra os problemas de competitividade da economia grega. Portugal por seu turno,  está a ajustar-se com menos dureza, já que as suas exportações têm apresentado competitividade.

Início da sequela Portugal vs Grécia

A partir do dia de hoje, iniciamos uma nova sequela de posts (Portugal vs Grécia). Com esta iniciativa, pretendemos demonstrar as diferenças ou similitudes existentes entre a economia grega e a economia portuguesa. O 1º post será sobre as contas externas dos dois países.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O erro de baixar salários em Portugal


Recentemente, têm sido várias as vozes que se têm manifestado a favor da baixa de salários em Portugal. Aliás, desde o início do plano de ajustamento o FMI tem insistido na necessidade de baixar os custos com salários (quer ao nível dos salários, ou então através da diminuição dos impostos sobre os mesmos).

Porquê esta reivindicação?

1º Actual situação no mercado de trabalho

As crescentes taxas de desemprego é um dos principais problemas da nossa economia. Assim, as autoridades nacionais vêem como umas das soluções para este problema a redução de salários. Para chegar a esta conclusão, baseiam-se na teoria microeconómica, que passo a demonstrar:





















Ou seja, a partir do gráfico anterior, podemos concluir que quanto maior for o salário de referência, maior será o gap entre o número de trabalhadores que procuram os empregadores, e o número de trabalhadores disponíveis para oferecer a sua força de trabalho. Assim, a lógica das autoridades internacionais é a seguinte: ao diminuir, por exemplo, o salário mínimo, isso provoca, teoricamente, uma maior disponibilidade dos empregadores para empregarem, e existem menos pessoas dispostas a trabalhar, o que faz diminuir o desemprego.

2º Os desequilíbrios externos do País











Outro dos problemas detectados em Portugal prende-se com o forte desequilíbrio das contas externas, que segundo as autoridades poderá ser resolvido através da redução de salários

Mas estará este raciocínio das autoridades internacionais correcto?

Comecemos por esmiuçar o primeiro dos argumentos anteriormente apresentados…

Serão as conclusões acima citadas, assim tão simples: não me parece de todo. Há que ter em conta, que uma diminuição salarial global, provoca uma redução do mercado interno. Assim, isto coloca igualmente em perigo milhares de postos de trabalho, uma vez que as pessoas têm menor disponibilidade para consumir. Assim, o que acontece é que para cada nível salarial, a quantidade de trabalho procurada pelos empregadores será menor.




















Ainda assim, sobra outro argumento: uma redução salarial pode resultar em ganhos de competitividade internacional, o que pode reverter os efeitos negativos no mercado interno

1º Olhemos para o comportamento das exportações a ver se temos tido realmente problemas
















Como se pode observar, nos anos mais recentes (com excepção de 2008 e 2009) tem-se registado crescimento apreciáveis do lado das exportações, o que desmonta a teoria de falta de competitividade da nossa economia.

Façamos então a seguinte questão: se por exemplo fizermos uma desvalorização salarial na ordem dos 10%, 15% vamos ganhar posição competitiva face a quem?

À China e aos Países do Leste?

É de todo impossível, pois os nossos níveis salariais são muitíssimo superiores pelo que é uma "miragem" competirmos via custos com estes países.

À Alemanha?

País que é apontado como um exemplo em termos de política de rendimentos. Segundo diversos estudos, os países do sul têm visto os seus custos salariais aumentarem fortemente relativamente face à Alemanha. Mas será isto uma forte causa de perda de competitividade? Não me parece, pois a Alemanha e Portugal têm estruturas de exportações bem diferentes, pelo que não estão muito directamente em confronto.

















Vemos assim, que as estruturas exportadoras da Alemanha e Portugal são bem distintas, sendo que no caso português temos uma predominância de sectores de menor incorporação tecnológica, enquanto que no caso alemão acontece exactamente o contrário, pelo que conclui-se que no caso da desvalorização salarial, os ganhos de competitividade face à Alemanha seriam residuais, e não anulariam a quebra no mercado interno.

Pergunta final: pode-se concluir assim, que a política de rendimentos portuguesa tem sido correcta?

Não, de todo. Isto porque, os níveis salariais têm crescido bem acima dos aumentos de produtividade, o que tem consequências gravosas, principalmente ao nível dos desequilíbrios externos. Para diversos economistas, como Daniel Gros, os desequilíbrios externos deveram-se a um boom da procura interna, devido ao forte aumento do crédito, em resultado da entrada na zona euro. Assim, assistiu-se a um forte aumento da procura de trabalho, principalmente ao nível dos sectores não transaccionáveis, o que se reflectiu numa profunda falta de moderação salarial. O facto destes crescerem acima da produtividade, indica que a produção nacional não foi capaz de responder a este aumento de procura, sendo que para isso, recorreu-se às importações, que aumentaram exponencialmente, contribuindo para os desequilíbrios externos. A complicar tudo isto, o Estado também não foi capaz de ter políticas restritivas, agravando ainda mais o ciclo de desequilíbrio.

Mas isto está a inverter-se...

Se olharmos para as previsões da Balança Corrente, vemos que esta gradualmente está a equilibrar-se, a um ritmo bastante interessante, o que demonstra que neste momento, não existem pressões do lado da procura agregada, que desequilibram as contas. Assim, e uma vez que isto está a acontecer, não me parece serem necessárias medidas de redução de salários (põe não me parece colocar-se um problema de competitividade internacional). Apenas se tratou de um problema de excesso de procura interna, que está a ser resolvido, através das medidas de austeridade. Contudo, futuramente, deve haver um maior rigor da parte da política de rendimentos, e deve-se promover a existências de aumentos salariais ao nível da produtividade, de modo a evitar estes problemas externos.




sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O EcosEconomia vai de férias

Caros leitores,

Durante a próxima semana (de dia 11 a 18 Agosto) estarei de férias, pelo que não editarei qualquer post, nem poderei responder a qualquer comentário. No entanto, ainda assim, gostaria de vos lançar um desafio. Ao longo desta semana, poderiam propor futuros temas de debate aqui no blog, que depois terão o devido tratamento da minha parte.

Cumprimentos,

Ricardo Gonçalves

domingo, 5 de agosto de 2012

Soluções para a crise do euro

Antes de mais, não vale a pena estar aqui com grandes considerações acerca de todo o percurso da crise do euro. Este já é sobejamente conhecido. Assim, neste artigo preocupo-me, fundamentalmente, em reflectir sobre que caminhos deve seguir a UEM. Várias propostas já foram analisadas, nomeadamente: o haircut das dívidas, os eurobonds e ainda a existência de um novo papel para o BCE. Analisemos então cada uma destas propostas:

1 – Haircut das dívidas

Esta tem sido uma das medidas defendidas, principalmente por alguns partidos mais à esquerda. Será esta solução possível, e sendo assim quais serão as suas consequências? Primeiramente, esta é possível, contudo parece-me que é algo que pode ser muito negativo, na medida em que pode afastar estes países por vários anos dos mercados financeiros, bem como aumentar, significativamente, os custos de financiamento do Estado e dos privados, o que tem efeitos negativos no investimento e no crescimento. Para demonstrar isto, pego num caso que remonta ao início do século XXI ( a crise argentina), que sofreu os efeitos de uma bancarrota

Taxa de crescimento do PIB real argentino


1999
-3%
2000
0,8%
2002
-14,7%
               Fonte: IndexMundi

Como vemos pelo gráfico, a economia argentina sofreu imenso com o incumprimento de dívida. É verdade que, posteriormente a economia argentina recuperou, mas nestes anos sofreu uma quebra do PIB de cerca de 20%. No caso da Argentina, este incumprimento era inevitável, contudo no caso da UE parece-me que as circunstâncias são diferentes, principalmente pelo facto de o Euro ser internacionalmente uma moeda de referência, ao contrário do peso argentino, o que implica que os países do euro se possam financiar internacionalmente na sua própria moeda. Assim, como mostrarei à frente, este é um facto importante para delinear outro tipo de soluções.

2 – Eurobonds

Este tipo de obrigações tem sido apontada como outras das soluções para resolver a crise europeia. No entanto, tal solução parece-me que dificilmente será exequível, na medida em que países como a Alemanha, não aceitarão que os seus custos de financiamento aumentem consideravelmente, na medida em que nestas será incorporado o risco dos países do sul da Europa. Para além disso, este mecanismo não afasta um risco sempre presente que é o de incumprimento dos países. Finalmente, parece-me que caso a zona euro resolva os seus desequilíbrios não são necessários os eurobonds para os custos de financiamento dos países aproximarem-se ( ver figura seguinte).


  
Como se vê, antes do início desta crise financeira, as taxas de juro dos países da UEM eram relativamente similares. Assim, parece-me o que deve fazer, na minha opinião, é criar as condições para que isto volte a acontecer e não forçar, através da criação dos eurobonds, que cheguemos a esta situação. Assim, com os eurobonds penso que a qualquer altura, pode acontecer que haja um ataque especulativo a estes, aumentando seriamente as taxas de juro, fazendo com que países como a Alemanha tenham tendência a sair deste mecanismo. Parece-me então que é necessário uma solução mais forte, e que traga mais vantagens para os países. Que solução é essa?


Intervenção do BCE

A chave para a solução da crise parece-me a intervenção do BCE. Assim, o BCE deve funcionar como um credor de último recurso, garantindo o pagamento das dívidas dos países, bem como o seu serviço de dívida. Parece-me que esta solução face ao eurobonds, tem a vantagem de ser mais credível, em caso de aplicação, bem como de afastar quase por completo, o risco de incumprimento, o que faz com que as taxas de financiamento sejam ainda mais baixas.

Quais as reservas da Alemanha?

Contudo (como se viu nesta semana anterior), a Alemanha tem muitas reservas em relação a uma forte intervenção do BCE. Porquê? Tal deve-se ao profundo medo que a Alemanha tem da inflação (aliás se forem ao site do BCE, este apresenta-nos a inflação como um monstro). Contudo, isto poderá ser ultrapassado. Como? Primeiro há que frisar, como já demonstrei num post, a garantia sobre dívidas passadas não cria inflação. Esta resulta de pressões sobre a procura agregada, e esta acumulação de dívida já criou estas pressões no passado. No entanto, a Alemanha tem medo que no futuro, isto seja uma almofada para estes países incumpridores que a verão como um incentivo a mais endividamento.

Assim, o que deve ser feito?

Devem ser criados um conjunto de critérios, nomeadamente alguns já bem conhecidos, tais como os orçamentais. No entanto, deve ser acrescentado outro igualmente importante que diz respeito ao equilíbrio da Balança Corrente. Se analisarmos os países resgatados vemos que estes apresentam um ponto em comum (que é o desequilíbrio desta Balança). Se analisarmos o caso argentino (país que tem registado uma apreciável recuperação económica), vemos que antes do rebentar da crise, esta economia acumulou sucessivamente desequilíbrios da Balança Corrente, que foram resolvidos no pós-crise, registando-se actualmente um equilíbrio dessa mesma Balança



Como se comprova, os sucessivos desequilíbrios externos, resultaram numa bancarrota. Contudo, após isso, esse rumo inverteu-se. No entanto, como sabemos a Argentina não está agrupada numa área monetária, o que faz com que tenha ao seu dispor a política cambial (aliás, por detrás deste incumprimento, esteve a adopção de um regime de câmbios fixos face ao dólar, o que criou graves desequilíbrios). Assim, para o caso dos países do sul estes equilíbrios são possíveis? Para responder a esta questão, analisemos a evolução desta Balança, após as medidas de austeridade. Para o caso português em 2013 atingiremos já o equilíbrio desta Balança Corrente. Para o caso irlandês esse equilíbrio já foi atingido. Assim, isto só mostra que estes desequilíbrios foram frutos de pressões excessivas do lado da procura, que podem perfeitamente ser resolvidas no interior de uma área monetária.
Assim, também deve ser uma prioridade dos países este equilíbrio, e deve ser um dos critérios para uma nova zona euro.

Conclusão

Assim, parece-me que a melhor solução é a intervenção do BCE, já que só esta fará com que haja uma aproximação não artificial dos custos de endividamento, e nivelando os mesmos por baixo, já que praticamente aniquilam os riscos de incumprimento. Assim, é uma melhor solução que os eurobonds. No entanto, como se demonstrou para o caso argentino, deve-se promover os equilíbrios macroeconómicos, nomeadamente o da Balança Corrente, que como se demonstra para o caso argentino, contribuiu para o recomeçar de um período de crescimento. Relativamente ao haircut, não me parece uma boa solução, pois estando numa área em que os países se endividam na sua própria moeda, não há o risco de haver pressões especulativas, no sentido da desvalorização da moeda, já que as expectativas no caso europeu desempenham um papel fundamental. Assim, há espaço para o BCE garantir as dívidas, em contrapartida de critérios exigentes e que devem ser para cumprir.

Publicado no Blog O Ouriço a convite de Nélson Faustino