quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Início da série "Análise de crises e lições para a zona euro"

Ao longo de diversos posts, iremos retratar um conjunto de crises económicas e cambiais, que surgiram durante os anos 90 e 2000 em algumas economias mundiais (Argentina, Mexico, Ásia, entre outros). Sabemos de antemão, que porventura as circunstâncias económicas destas economias eram algo diferentes da zona euro (nomeadamente, o facto de não estarem incluidas numa união monetária, contudo detinham um regime de câmbios fixos face a uma moeda mais forte, na maioria dos casos). Assim, o exercício que iremos fazer será analisar individualmente cada uma delas, e traçar algumas semelhanças com a situação na zona euro, de forma a tentar evitar alguns dos erros que se cometeram anteriormente. No fim da análise das crises, iremos fazer uma conclusão geral para a zona euro, traçando cenários e soluções.

domingo, 11 de novembro de 2012

A refundação do Estado em Portugal

Antes de iniciarmos a discussão à volta desta tema, é fundamental percebermos o que é exactamente "a refundação" a que se refere o nosso primeiro-ministro. Genericamente, esta consiste numa diminuição das despesas do Estado de 4000 milhões de euros, despesas essas fortemente relacionadas com o papel social do Estado.

1ª questão: Quais as circunstâncias económicas que marcaram o crescimento do Estado Social?























Observando os dados acima indicados, vemos que acompanhado de um forte crescimento da despesa do Estado, esteve igualmente um crescimento acentuado do PIB. Porventura, o próprio crescimento do Estado foi uma das causas para esse crescimento. Mas, sem dúvida, que sem o crescimento acentuado do PIB, o Estado não teria margem para crescer como cresceu, uma vez que para financiar as despesas crescentes, é necessária a existência de uma crescente base tributária, e tal depende muito do crescimento da economia. Saliento ainda que em 2011, a despesa pública ascendeu a cerca de 49% do PIB.

Mas vemos logo um problema. A partir de 2000 a economia estagnou, mas o Estado continuou o seu crescimento da despesa.

Isto é algo importante, na medida em que nestas circunstâncias, mais tarde ou mais cedo, isto iria reflectir-se em mais impostos, o que poderá ter sido umas das causas para os anos de baixo crescimento que se seguiram.


















A partir desta análise, também me parece que os efeitos da despesa pública sobre o PIB apresentam uma menor relevância, na medida em que mesmo esta aumentando, tal não teve grandes efeitos no PIB, o que parece de certo modo demonstrar a perda de eficácia dos gastos orçamentais, e um ganhar de importância dos efeitos negativos da carga fiscal.

Ou seja, vemos que os efeitos económicos da despesa começam a ser dúbios  E relativamente à sustentabilidade financeira da mesma?

Para responder a esta questão não vamos utilizar o conceito de saldo global do Estado, mas sim vermos a evolução do saldo primário do Estado, que corresponde à diferença entre receitas e despesas, não incluindo nas últimas a rubrica dos juros da dívida pública. Ou seja, basicamente só englobamos nas despesas  as que têm a ver com as funções de soberania e sociais, bem como as famosas "gorduras". Vamos dividir considerando dois períodos (um que vai até quase ao final da década de 90 e outro no século XXI). Salientamos também que no cálculo desta saldo não consideramos receitas decorrentes de factores extraordinários, que por exemplo nos tempos do Governo de Durão Barroso, permitiram um equilíbrio deste saldo.


 

Como vemos, retirando as despesas com juros, durante os anos 90 conseguimos acumular excedentes primários, o que mostra que as receitas arrecadadas na altura eram suficientes para arcar com as despesas gerais do Estado, sobrando ainda algo. A partir de 2000 tal inverteu-se tendo acumulado sucessivamente défices primários, o que como veremos de seguida pode ser muito perigoso.

Porque é que esta lógica a partir de 2000 é muito perigosa?

Como sabemos mais ou menos a partir desta altura, temos assistido a um crescimento da nossa dívida pública, em especial a partir do emergir da crise financeira em 2008, o que também é explicado pelo agravamento dos saldos primários. Para percebermos esta explosão de dívida, vejamos como se consolida uma dívida pública.

 
A equação anterior mostra-nos como se pára o crescimento da dívida pública, explicando:

(T-G)/Y - representa os saldos primários em % do PIB, valores que para Portugal já vimos em cima;

i - representa a taxa média de financiamento da nossa dívida pública;

g - representa a taxa de crescimento nominal do PIB

B/Y - dívida pública em % do PIB

Esta lógica, indica-nos que, por exemplo para Portugal a partir de 2000, uma vez que o nosso crescimento económico foi anémico, as taxas de juro foram superiores a esse crescimento, ou seja, a dívida pública teria tendência a aumentar. A lógica subjacente é a seguinte, o Estado financia-se constantenente pagando uma taxa de juro. Quando uma dívida vence o Estado contrai outra dívida para pagar a dívida que venceu, a uma taxa de juro fixada. Assim, a dívida pública caso não houvesse crescimento nem eventuais excedentes primários teria tendência a crescer à taxa de juro. Mas caso haja um crescimento suficientemente forte, a dívida em %do PIB pode mesmo diminuir nesse contexto, ou caso isso não aconteça, retirando as despesas com os juros, obtive-se um saldo primário que lhe permitisse pagar os encargos financeiros com a dívida pública, tirando a vertente do crescimento económico.

Vamos ver então o que é necessário para Portugal inverter o crescimento da dívida pública...

Vamos considerar alguns pressupostos:

- Crescimento do PIB nominal de 4% (correspondendo 2% a um crescimento real, ou seja, aumento das quantidades produzidas e 2% decorrente da inflação, ou seja, aumento dos preços)

- Taxa de juro de 4%

Com os pressupostos descritos, dado que a taxa de crescimento do PIB e da taxa de juro se igualam, para termos uma estabilização da dívida teremos de ter um saldo primário equilibrado, algo que já não acontece desde 2000 ( e isto, para estabilizar, porque para reduzir a dívida, o que é necessário necessitamos de excedentes primários). Também é de referir que as taxas de crescimento do PIB que referi têm de se verificar, o que apesar de tudo, poderá ainda demorar alguns anos a atingirmos essas taxas de crescimento.

O crescimento é fundamental para a estabilização dos saldos primários...

Vejamos que em 2007 ( ano em que tivemos os tais 4% de crescimento nominal, quase atingimos o equilíbrio primário). Refira-se aliás que o único período desde 2000, onde tivemos uma verdadeira consolidação orçamental foi de 2005-2007 já que se equilibrou o saldo primário, sem recurso a receitas extraordinárias.

Então tal quer dizer que deveremos não fazer nada em termos de consolidação e esperar pelo crescimento...

Não, de todo. Porque o crescimento explosivo da nossa dívida tem tido consequências gravosas no financiamento do Estado, mas também do sector privado, o que pode inclusivamente ser um factor que pode impedir por um longo período de tempo o crescimento económico, na ordem de grandeza que pressupos anteriormente.

Assim, o que deve ser feito?

Se queremos nas circunstâncias actuais, estancar o crescimento da dívida pública, como penso que deve ser feito, vamos ser claros: ou cortamos despesa do Estado ou então aumentamos ainda mais a carga fiscal.

Qual delas deve ser levada a cabo?

Os períodos mais recentes parecem demonstrar que a abertura das pessoas para mais aumentos da carga fiscal é bastante diminuta. Ou seja, a alternativa a ser seguida são os cortes na despesa. Do ponto de vista económico e da sustentabilidade do Estado parece-me a que deve ser seguida, por diversos motivos: aumentos da carga fiscal podem criar um clima de maior instabilidade social, e prejudicar seriamente a sobrevivência de muitas das nossas empresas, o que teria reflexos notórias, mesmo a mais longo prazo, na medida em que arrasaria a capacidade de oferta da nossa economia e poderia pôr em causa o ajustamento português.


Para justificar ainda mais esta necessidade, vou recorrer a algo que sempre gostamos de fazer: comparar-nos com os outros países da UE


Como vemos estes dados são algo antigos, sendo referentes ao nível de carga fiscal em 2010. Onde se demonstra que a carga fiscal em Portugal é relativamente inferior à média da UE. Contudo, desde essa altura temos assistido a sérios aumentos ( mas ainda assim a carga fiscal é cerca de 2,5% inferior à média da UE-27, dados para 2012 baseado em previsões). Quando olhamos para a despesa pública também seria desejável que esta fosse inferior à média da UE em cerca de 2%, algo que não acontece. Isto é ainda mais preocupante, uma vez que a nossa despesa está subvalorizada por factores temporários (como os cortes de salários e subsídios na função pública).

 
Conclusão
 
Assim, parece-me que deveremos cortar a despesa corrente primária do Estado de forma séria. Esses cortes necessariamente terão de afectar os sectores essenciais do Estado (já que 75% das depesas do Estado, incluindo neste bolo as depesas com juros, estão directamente relacionadas com esses sectores). É verdade que também se deve ir de forma séria, às designadas gorduras, onde se podem fazer alguns cortes sérios. Num post anterior já referi que os cortes podem chegar a 1000 milhões de euros, o que representaria 25% do sacrifício. Ainda assim, não tenhamos ilusões, há que ir mais longe do que isso. É verdade que poderá ser um processo algo doloroso, mas a verdade é que o nosso estado social deve estar de acordo com as nossas possibilidades na actualidade (isto, claro se não quisermos maior carga fiscal). Assim, o crescimento do Estado social deve ser uma consequência do crescimento económico, algo que nos últimos 10 anos não aconteceu em Portugal, o que desequilibrou seriamente as contas do Estado. Para além de tudo, é preciso salientar a existência de pressões crescentes sobre o Estado, nomeadamente com questões como o envelhecimento da população. O melhor caminho para sanearmos as contas é o do corte de despesa corrente, na medida em que isso pode criar uma certa confiança nos cidadãos de que as possibilidades de aumentos de impostos são cada vez menores, o que pode de alguma forma ajudar-nos a sair desta situação. Pelo contrário, aumentar impostos tem o efeito inverso que apontei.