domingo, 21 de abril de 2013

O endividamento das famílias portuguesas

Muito se fala em Portugal sobre o problema do excesso de endividamento da economia, e da necessidade da sua redução, algo que o programa de ajustamento macroeconómico da Troika prevê. Hoje, o que analisaremos será a dimensão deste problema ao nível da famílias portuguesas, comparando com outros países da área do euro.
Para analisar esta problemática, recorreremos a 3 rácios que nos permitirão fazer uma análise clara, nomeadamente: o Debt/Asset; Debt/Income; Debt service/Income.

1º racio: Debt/Asset

Este rácio indica-nos o peso relativo da dívida relativamente ao valor dos activos detidos. Ou seja, exemplificando, suponhamos uma família com dívidas no valor de 100 euros, e que detenha um automóvel no valor de 70 euros e uma casa no valor de 130. Esta família terá activos (ou seja, genericamente falando, riqueza de 200 euros). Assim, o seu debt/asset ratio será de 50%, já que as suas dívidas (100 euros) são exactamente metade do valor da sua riqueza. Assim, este rácio é importante já que nos indica se os activos detidos são altamente financiados por dívida, e a capacidade de pagar as dívidas através da venda dos seus activos. 

Qual a situação portuguesa no contexto da zona euro?

Como se vê, apesar de acima da média, a situação portuguesa considerando este rácio não é das mais graves, havendo países como a Alemanha que apresentam valores superiores.

2º rácio: Debt-to-income ratio

O debt-to-income ratio representa o peso do valor da dívida total das famílias relativamente aos rendimentos anuais auferidos pelas mesmas. Ou seja, uma família com uma dívida de 100 000 euros e rendimentos de 50 000 euros, apresenta um rácio de 200%. Este rácio indica a capacidade de pagamento das dívidas através dos rendimentos auferidos, sem ter de recorrer a activos, ou então de ir amortizando a dívida ( no jargão económico diz-se desalavancar). Quanto mais elevado o rácio, maiores serão as dificuldades, e o processo de desalavancagem será necessariamente extremamente doloroso do ponto de vista social.

Vejamos a situação nacional...

Quando se compara face ao rendimento, a situação nacional altera-se radicalmente, tendo um rácio muito superior à média da zona euro, e tendo rácio superior à maioria dos países (exclui-se a Holanda). 

Esta situação tem graves consequências:
  • Limita a capacidade de consumo das famílias;
  • Torna um processo de desalavancagem muito doloroso, como o que se passa actualmente, ou seja, as restrições ao crédito limitam as possibilidades de consumo. Um rácio como este, elevado, indica uma forte componente de consumo dependente de endividamento.  
3º racio: Debt service-to-income ratio

Este rácio indica o peso do serviço de dívida (ou seja, dos juros pagos) relativamente ao rendimento mensal auferido. Suponhamos uma família  com rendimentos de 2000 euros mensais, e que tenha um serviço de dívida de 200 euros mensais (ou seja, juros). O seu debt service to income ratio é de 10%. Este rácio é importante, na medida em que, um valor elevado deste rácio implica que haja uma incapacidade da família em pagar as suas obrigações mensais de dívida.

Vejamos a situação nacional...



Como se vê, o peso do serviço de dívida em Portugal é igualmente mais elevado que na média da zona euro, o que demonstra que o endividamento nacional limita as possibilidades de consumo das famílias, devido ao seu peso no rendimento. Também demonstra uma maior susceptibilidade a eventuais incumprimentos de algumas famílias.

Conclusão

Portugal apresenta claramente um problema de endividamento, que apesar de tudo, não se reflecte em incumprimentos massivos, mas sim em restrições ao nível do consumo das famílias. O facto de termos um debt to income elevado significa que uma boa parte do nosso consumo passado se deveu a um crescimento da dívida das famílias. Agora que as condições de financiamento são desvantajosas e é necessário diminuir o endividamento, tal reflecte-se necessariamente em menor consumo, situação que é mais prejudicial na economia portuguesa, devido à maior dependência em termos de financiamento das famílias face ao seu rendimento.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O sistema financeiro cipriota

Recentemente a já tão conhecida Troika, anunciou um resgaste a Chipre em moldes inovadores. Primeiro, optou inicialmente por taxar os depósitos quer superiores a 100 000 euros ( o valor da garantia europeia bancária) quer os inferiores. Este revelou-se desde logo um enorme erro, que foi rapidamente (e bem!) corrigido taxando apenas os depósitos superiores a 100 000 euros. Ainda assim, algumas vozes de protesto levantaram-se, dizendo que isso poderia por em causa a viabilidade do sistema financeiro do Euro.

Antes de tudo convém conhecermos em traços gerais o sistema financeiro de Chipre...

Qual a dimensão do sistema financeiro?

O sistema financeiro tem uma dimensão de 835% do PIB de Chipre, tendo estado numa tendência de forte crescimento relativamente à economia até pelo menos 2009











Pela análise da figura, vemos que o sistema financeiro cipriota tem uma dimensão bastante significativa, mesmo quando comparado com outros países da zona Euro (de referir que a média da mesma é de cerca de 330% do PIB de dimensão). Veja-se também que sistemas financeiros vulneráveis como o da Irlanda e de Malta, também apresentam grandes dimensões, o que demonstra uma clara correlação entre dimensão do sistema e a sua vulnerabilidade.

Nos últimos 8 anos, como consequência deste sobredimensionamento, o peso da intermediação financeira na economia cresceu...











Assim, vê-se que o peso da mesma sobre o PIB (Gross Value Added) aumentou claramente, embora o emprego (employment) não tenha seguido essa tendência. Ainda assim, salienta-se que uma parte significativa da riqueza advém directamente do sistema financeiro, o que é indicativo de um possível boom de financiamento, que poderia (como aconteceu) acabar mal.

Há também um outro grande problema no sistema financeiro...

A elevada concentração do mesmo, que pode ser vista pelos seguintes dados:
  • 88% dos activos financeiros são detidos por duas instuições financeiros (Martin e Bank of Cyprus);
  • 98% dos activos financeiros são detidos por 3 instituições financeiras.
  • O peso do Martin e Bank of Cyprus relativamente ao PIB é quase de 250% para cada um deles, perfazendo ambos 500% do PIB (aproximadamente).

Como tem sido alimentado este crescimento do sistema financeiro?

Há sem dúvida um grande peso dos depósitos de estrangeiros neste sistema financeiro. Por exemplo, para o caso da Banca Comercial (ou seja, os Bancos) os depósitos de estrangeiros ultrapassam os dos residentes (18,6 de residentes vs 23,1 mil milhões de euros de não residentes). Aliás como se vê na figura seguinte, tem-se assistido a um aumento significativo de depósitos de não residentes, por contraposição de um aumento muito moderado dos depósitos de residentes (refira-se que estes valores incluem não só os depósitos em bancos comerciais, mas também em outras instituições financeiras).












Refira-se que os valores dos depósitos de residentes observa-se na escala da esquerda e os de não residentes na escala da direita. Isto comprova um grande aumento dos depósitos de não residentes em relação aos de residentes (apenas no espaço de 2 anos e meio).

As ligações do sistema como causa do seu colapso

A detenção de obrigações de tesouro gregas

Um activo importante detido pelas instituições financeiras cipriotas é as obrigações de tesouro gregas, que sofreram quebras significativas do seu valor. 

















Como se vê a exposição de Chipre a estes activos ultrapassa (em termos de PIB local) o da própria Grécia por larga margem, o que é sintomático, logo de problemas. A perda de valor de mercado destes activos levou a assumir perdas nos balanços de 500 milhões de euros ( o que em função do PIB cipriota é um valor importante), para além de a renegociação de dívida da Grécia ter levado também a novas perdas (cerca de 2,7 mil milhões de euros). 

Larga exposição ao sector privado grego

Por exemplo, a banca comercial, detém empréstimos a residentes em território grego no valor de 23,4 mil milhões de euros (o que é mais do que o PIB de Chipre). Com a grave crise grega, os incumprimentos subiram, o que também levou a perdas.

A degradação da economia local

A dificuldade económica do seu grande parceiro (a Grécia), levou a quebras acentuadas da actividade económica, o que por seu turno gerou dificuldades de liquidez do sector privado para pagar os seus financiamentos, o que levou a aumentos nos incumprimentos.














Como se vê pela figura os incumprimentos aumentaram significativamente, para os agentes privados.

Conclusão

O sobredimensionamento do sector financeiro provocou imensos problemas à economia de Chipre, e dada a sua elevada dimensão e concentração, os problemas para o salvar são imensos. A decisão da UE nos moldes actuais foi a solução possível, em função da impossibilidade do Governo assumir estas dívidas, que são demasiado elevadas. Mas num próximo artigo analisaremos com maior rigor esta decisão.